Entrevista da National Geographic- fevereiro de 2009 com Bertha Becker.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A National Geographic na edição de fevereiro de 2009, fez uma reportagem de fundamental importância sobre as potencialidades da Amazônia bem, como seu processo de internacionalização. Para você que pretende entrar no mundo acadêmico e até mesmo como cidadão, é fundamental compreender os processos e ações da Amazônia brasileira. Essa entrevista foi realizada por Maurício Barros de Castro.
Bertha Becker é professora emérita da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora honoris causa pela universidade de Lyon III, na França, e integrante da Academia Brasileira de Ciências. Difere de muitos intelectuais, por ser incisiva em suas opiniões ao sugerir a economia como solução essencial para preservação. Aos 72 anos, lançou recentemente, ao lado de Cláudio Stenner, um livro um futuro para Amazônia. "A proposta é abrir a cabeça dos jovens, despertar neles o interesse pela região com foco na ciência e na tecnologia", diz ela.
N.G Como aliar preservação ambiental com qualidade de vida das populações locais e ainda desenvolver a Amazônia?
B.B O Brasil têm enorme potencial de água e necessita de energia gerada por hidrelétricas, que é renovável e limpa, e o país possui enorme quantidade de água. Porém, as hidrelétricas não podem ser construídas como no passado. Assim, existem tecnologias avançadas para evitar que as usinas tenham desníveis de barragem muito altos, inundem áreas de grande extensão. Mas o principal, de tudo é que a Amazônia não pode ser vista como um almoxarifado de recursos naturais para outras regiões do Brasil.
N.G Problemas básicos, como o caos fundiário, ainda não foram resolvidos. Doar títulos pode ser uma solução?
B.B Eu acho que é preciso encarar de frente esse problema de falta de títulos de terra e resolver a questão fundiária de uma vez por todas. Vivemos numa sociedade capitalista; se não existir defesa da propriedade, sempre ficará a sensação de que é possível avançar sobre terras alheias. Mas não acho que as terras desmatadas devam ter a mesma regulamentação fundiária que os locais de floresta densa. Nesse caso, penso que não se deveria simplesmente fornecer títulos definitivos de terra sem custo, para quem tem a posse. O melhor afazer é um sistema de concessões públicas a investimentos e projetos que atuem nessas áreas preservadas e contribuam para sua sustentabilidade.
N.G A Amazônia é uma terra sem lei? Falta a presença do Estado?
B.B Esse é um tema interessante, porque não se trata propriamente de ausência, e sim de omissão. Em alguns momentos o Estado é presente, mas omisso porque lhe interessa. é um jogo geopolítico de poder, uma ambiguidade. Faço muita pesquisa de campo e escuto a população reclamar da falta do Estado. Mas isso, não significa dizer que ele está totalmente ausente. Em alguamas áreas o Estado não está omisso, mas é tolerante e deixa passar situações que não deveria permitir. Já em outras ele está presente como dono das terras dos antigos territórios que se transformaram em governo estaduais, como Tocantins e Amapá.
N.G A senhora sempre vai ao campo para suas pesquisas. O que tem observado com base nessa visão interna da região?
B.B Sempre chamei a Amazônia de fronteira. Não apenas como limite territorial mas no sentido de ser fronteira como os mais novos acontecimentos globais. Lá é possível observar as tendências mais recentes em curso no mundo. As grandes transformações mundiais são mais fáceis de ser percebidas na Amazônia do que no Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, em que a complexidade da vida social, econômica e política é tão grande, entremeada de tantas informações, que é dificíl captar algum rumo novo. Novidades que estão começando a acontecer no mundo podem ser sentidas logo lá. O local é ponta- de- lança de ideias inovadoras no que diz respeito as mudanças que o sistema capitalista está tomando, as tendências da economia mundial.
N.G Além da diversidade biológica, a Amazõnia possui igualmente variedade de culturas tradicionais. Como é possível preservar essas culturas amazônicas no mundo contemporâneo?
B.B É um enorme dilema. Temos a obrigação de preservar as culturas da Amazônia, o que não significa deixá-las isoladas. No caso dos índios, que conheço melhor, é preciso estabelecer um programa de atividades que permita a obtenção de renda às comunidades que elas possam preservar sua cultura. Sem formas de manter-se economicamente, nenhuma cultura sobreviverá.
N.G De que forma é possível organizar a cadeia produtiva par que os produtos da floresta cheguem aos centros urbanos?
B.B A Amazônia tem poucas cadeias produtivas organizadas. O se produz efetivamente lá é uma quantidade mínima. O nosso modelo de desenvolvimento sempre foi monopolista na riqueza, na produção e no acesso ao mercado. A circulação fluvial não é organizada com objetivo de desenvolver a região. A cadeia produtiva sempre foi voltada à exportação. Nunca se deu atenção beneficiar o povo. É preciso organizar a produção desde o âmago da floresta, envolvendo as populações locais, até os setores que oferecem os serviços.
Os empresários se interessam muito mais em exportar o produto, sem agregar o valor ao local, e isso nunca gerou desenvolvimento. Organizar a cadeia produtiva é tarefa que exige serviços especializados e indústria. Daí vem a minha segunda tese: há que se fortalecer as cidades da Amazônia porque é lá que se concentram serviços, indústria e comércio. O município tem que ser o nó da cadeia produtiva em que os produtos da floresta são processados e comercializados. Isso não apenas em Manaus e Belém mas em cidades médias. Os serviços são um dos fatores-chave do desenvolvimento da Amazônia.
N.G Quais tipos de serviço podem ser fomentados?
B.B Aqueles que atendam as necessidades básicas da educação e saúde e sirvam para processar a produção. E também têm de existir serviços avançados e especializados, de alto valor agregado, jurídico, gestão, produção de conhecimento, contabilidade, marketing. Na Amazônia, eles têm de dar conta do grande potencial que é o capital natural: os serviços ambientais. Antes se valorizava apenas o estoque de ecossistemas:ferro, madeira. Hoje já se atribui valor às funções da natureza. Essa é uma mudança qualitativa: a natureza é transformada em capital natural e oferece múltiplos meios de produção. Um exemplo é o mercado de carbono, que está a pleno vapor e que é essencialmente de serviço ambiental. Temos novo e imenso potencial na transformação da natureza em capital natural. Mas é preciso ter ciência e tecnologia.
N.G Como fazer com que esses serviços sejam prestados nas próprias cidades amazônicas e não no exterior?
B.B Eu sugiro transformar Manaus numa cidade mundial, com base na organização de prestação de serviços ambientais. Isso é uma bomba. Uma hipótese e sugestão únicas. Mas, para tanto, é preciso rechear as cidades da Amazônia de conhecimento científico, tecnologia ligados ao meio ambiente, como advogados que entendem de meio ambiente. Eu proponho uma bolsa de valores em Manaus para negociar o carbono de serviço ambiental. Por que tem que ser em Chicago ou na Europa? Essas informações fazem parte da minha pesquisa atual, e que estou encaminhando ao governo federal.
N.G Como aproveitar esse potencial de forma a ser yransformado em desenvolvimento econômico local?
B.B A Amazônia é sempre utilizada para extrair os recursos naturais e manda-los para fora, como se fosse um almoxarifado sem fim.Nada sobra na região. A posição que defendo é que se implante outro modelo de exploração do patrimônio natural uma nova perspectiva que tenha como base a ciência e a tecnologia. O que sempre ocorreu historicamente foi a exportação dos recursos naturais, sem agregação do valor. Primeiro para o mercado europeu. Depois, para os americanos, como o que houve com a borracha. Isso não cabe mais no século XXI, mas o problema é que a região ainda vive a forma de produção do,século XIX,em que companhias de mineração queimam a mata para fazer carvão. Precisamos de empresas modernas, de tecnologias avançadas e de grandes investimentos. Mas sempre articulados com a questão ambiental e, sobretudo, social. Existem mais de vinte milhões de pessoas que moram lá e vivem mal, porque os recursos são explorados de forma a mandar as riquezas para fora da região onde é produzida.
N.G É um desafio atribuir valor aos recursos naturais e ao mesmo tempo preservá-los. Como isso é possível?
B.B Existem múltiplas formas de agregar valor aos recursos naturais. O mundo já está mudando, no sentido de sair da indústria fordista, megaindústria, megafábricas para outras mais flexíveis, que utilizem recursos de forma mais eficiente, sem desperdícios. Esse é o verdadeiro desenvolvimento sustentável enão deixar a Amazõnia fechada, sem mobilizar os recursos, como muita gente defende. A questão é moldar o novo modelo de desenvolvimento em que a ciência e a tecnologia definam modos adequados de uso, sem destruição, com distribuição equitativa da riqueza gerada do próprio local.
N.G Como a produção pode contribuir para a preservação?
B.B A Amazônia não entrou na fase fordista de desenvolvimento que afetou São Paulo e o Sudeste do Brasil. Ela ficou à margem desse processo, foi atingida pelas beiradas, pela expansão da fronteira. Podemos, então, implantar uma indústria madeireira moderna, que não explore a madeira apenas para queimá-la ou exporte toras em estado bruto, sem valor agregado. É possível organizar uma indústria decente? Sim, e madeira é o recurso mais ostensivo da floresta. Outro ponto é diversidade. O Brasil tem problema sério em saúde pública, e o potencial em biodiversidade é imenso. A floresta possui muitas espécies que podem ser utilizadas para fármacos. No momento servem para a produção de cosméticos, óleos essenciais, shampoo.Nós temos um mercado doméstico de saúde pública que é carente. Outro potencial é a pesca. A riqueza de peixes é inigualável, e possuem um sabor mravilhoso. Mas não existe cadeia produtiva organizada de pesca, apenas iniciativas embrionárias e dispersas.

 
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